sexta-feira, 2 de julho de 2010

O milagre das rosas

Acabou o campeonato nacional de futebol. Já se dissiparam os ecos da festa que alucinou multidões e que anestesiou uma parte do povo português, tornando assim mais suportável a dor resultante de uma intervenção feita à pressa e à bruta (o PEC), levada a cabo com o intuito de pôr cobro a um problema de saúde financeira que, na perspectiva dos responsáveis pelo nosso bem-estar(?), levaria, caso não fosse tratado, a uma situação terminal.

Já se foi embora o Papa, e secam no chão, pisado pelas alpergatas do peregrino, as pétalas das flores, cujo perfume, aliado ao fervor religioso suscitado pela sua visita, entonteceu e apaziguou os sentimentos de todos os que se verão atingidos pela segunda dose da terapêutica imposta pelos doutores que nos governam, como forma de fazer regredir o cancro que consome a economia nacional (o PA).

Não preciso de ser economista nem engenheiro para perceber que a maleita existe. Basta-me a equivalência do 12.º ano obtida pela via-sacra das Novas Oportunidades (quais, onde e para quem, gostaria de saber) para ter a percepção de que, desde Salazar, que embora não tendo investido, poupou, ela persiste. De então para cá, todos, da esquerda à direita e em sentido contrário, têm prometido muito, investido pouco e poupado nada.

Não se trata de qualquer tipo de saudosismo, nem tal faria sentido para mim, uma vez que a minha formação humanística, os princípios de liberdade e defesa dos direitos, não só dos ricos mas, também, dos que nem por isso, e a minha condição social enquadrada no círculo onde já não cabem, por serem tantos, os que vivem abaixo do limiar da pobreza, não são, nem nunca foram, compatíveis com qualquer tipo de ditaduras.

Porque a “crise” não foi o gatilho que desencadeou a doença que nos afecta. Ela foi apenas a dor de cabeça que revelou a necessidade de combater uma patologia muito mais grave e profunda, cujos sintomas já se revelavam quando o outro senhor caiu da cadeira e nos deixou uma economia sustentada(?) pelo turismo, pelas remessas dos emigrantes, pela agricultura e por meia dúzia de empresas.

Quarenta anos depois, com o turismo afectado pela recessão e pelas nuvens de fumo com que a Islândia nos fustiga (que bom seria que, se em vez delas, nos enviasse tsunamis de bacalhau), com os emigrantes a tentarem colocar as suas poupanças cada vez mais longe da Pátria insegura, com a agricultura reduzida a pó e, com um tecido empresarial que, salvo raras excepções, não consegue assumir um relevo significativo além fronteiras, estamos finalmente reduzidos ao estatuto diminuto e insignificante de País, cuja localização europeia (na cauda), nada fica a dever à nobreza e distinção dos tempos em que éramos, orgulhosamente, heróis do mar.

A enfermidade de que padecemos irá, a curto prazo, não obstante as cirurgias invasivas a que temos sido submetidos, carecer de cuidados paliativos ou, eventualmente, da extrema-unção se, para a debelar, apenas continuarmos dependentes de “milagres”.

Como aquele, plagiado do outro com o qual a rainha tentou resolver o problema dos mais desfavorecidos, há alguns séculos atrás, e que recentemente se repetiu.

Ao qual, todos pudemos assistir desolados quando, desta feita o rei, sem cavalo mas com o mesmo ar pudico e tão austero como o plano requeria, respondeu ao povo que, faminto lhe perguntava se trazia pão: Não é pão, são rosas, senhores! E com espinhos…

Carlos Preto (Adulto certificado com o 12ºano pelo nosso Centro; Encarregado de Educação)

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